- Nº 2197 (2016/01/7)
Alterações climáticas

Os mercados são os causadores<br>dos problemas ambientais,<br>as suas leis não os conseguirão resolver

Temas

«Ao ritmo actual de emissões de Gases de Efeito de Estufa, dentro de cerca de 25 anos será ultrapassado o limite de mil milhões de toneladas de carbono libertado cumulativamente para a atmosfera, o que produzirá um aumento da temperatura global de 2ºC. Uma vez atingido este aumento, temem-se reacções irreversíveis nos sistemas climáticos e que a humanidade não poderá voltar às condições em que a civilização se desenvolveu»1.

Num quadro em que é aceite que deveria haver definição de objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa mais ambiciosos, foi anunciado um acordo na sequência da Conferência de Paris no âmbito da Convenção Quadro sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas. No entanto, o Comité Central do PCP sublinhou que, «designadamente em relação aos objectivos mais ambiciosos de redução das emissões de gases com efeito de estufa, os mesmos não encontram resposta no texto aprovado». De facto, parece ter ocorrido um salto em frente para esconder a falta de compromissos concretos. Daí o estabelecimento de objectivos mais ambiciosos para limitar o aumento de temperatura a 1,5ºC, em vez dos 2ºC inicialmente indicados, não havendo no entanto esclarecimento sobre a forma de como vão ser atingidos os objectivos, uma vez que as medidas já anunciadas por 185 países, dos 195 que aprovaram o texto, são insuficientes para cumprir o objectivo anunciado, colocando o aquecimento acima dos 3ºC.

Tal como em todo o processo de preparação, também nas conclusões desta cimeira existe uma imensa campanha de propaganda ideológica, com que os centros de decisão do capital pretendem legitimar mecanismos de acumulação capitalista, a propósito da necessidade de combate às alterações climáticas, como o Mercado de Carbono, enquanto mecanismos que visam mercantilizar e financeirizar o ambiente com o pretexto de solucionar problemas reais.

1. Legitimar mecanismos de mercado
que mercantilizam o ambiente

Num artigo que o Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, fez publicar na sequência do Acordo de Paris, lê-se o seguinte: «Os mercados têm agora o sinal claro de que necessitavam para aumentarem os investimentos que vão gerar desenvolvimento com baixas emissões de gases e mais resiliente ao clima.» Christine Lagarde, directora do FMI, publicou também um artigo nos dias que antecederam a conferência, onde escreveu: «se os países que mais emitem Gases com Efeito de Estufa (GEE) impusessem um preço da tonelada de CO2 de 30 dólares, podiam gerar receitas fiscais de cerca 1 por cento do seu PIB.» O Público, na sua edição de 13 de Dezembro, decretava num subtítulo de um artigo intitulado «Os pontos essenciais do novo tratado climático aprovado na Cimeira de Paris» que «Instrumentos de mercado vão ajudar a cumprir promessas».

O que é um facto é que o Mercado de Carbono não funciona e tem tido um efeito perverso. Num quadro de crise e de redução da actividade económica, os produtores de GEE diminuíram a procura de licenças de produção de CO2. Com a diminuição da procura baixou o preço das licenças, o que tornou muito barato poluir. A tonelada de CO2 chegou a atingir os três euros, e mesmo após intervenção da UE, apenas aumentou para os oito euros, o que faz com que seja barato utilizar combustíveis mais poluentes.

O administrador da EDP Rui Teixeira disse numa entrevista ao Expresso que «ultimamente a União Europeia criou uma forma de retirar do mercado algumas das licenças e fazer subir o preço. Ainda assim, há um consenso de que oito euros por tonelada não é suficiente para justificar que indústrias mais poluidoras acabem por fechar. Isso hoje em dia vê-se na utilização do carvão para a produção de electricidade na Europa em geral, que prevalece sobre a utilização do gás. Com os preços do CO2 como estão continua a ser mais barato produzir com carvão do que com gás».

Assim se comprova o que o PCP tem vindo a denunciar: o Esquema Europeu de Transacções (ETS), introduzido há 10 anos, não conduziu à desejada redução de emissões de Gases com Efeito de Estufa, bem pelo contrário. A experiência europeia de transacção de quotas de carbono desmente claramente a virtuosidade da regulação pelo mercado e demonstra a ineficácia e perversidade dos seus instrumentos, que visam a obtenção de lucro, a acumulação de riqueza e o aprofundamento das desigualdades.

Mecanismos como este, decorrentes do protocolo de Quioto, que mercantilizam o ambiente, colocam a capacidade da Terra de reciclar carbono nas mãos das mesmas corporações que estão a delapidar recursos e a degradar o ambiente, consolidando uma política de privatização da atmosfera.

2. Favorecer processos de natureza colonial
e de condicionamento dos países em desenvolvimento

Outro objectivo que é escondido por detrás da propaganda é a intenção de favorecer processos de natureza colonial e de financiamento de projectos de grandes grupos transnacionais em países em desenvolvimento, potenciando a dominação imperialista dos recursos destes países. Daí o Comité Central do PCP ter dito que «quando se exigia a assunção do princípio da responsabilidade comum mas diferenciada, entre países em desenvolvimento e industrializados, é proposto um sistema único, susceptível de aprofundar mais injustiças entre os países que mais contribuem e contribuíram para a acumulação de carbono na atmosfera e os países em desenvolvimento».

A criação de um sistema único de regras de «combate» às alterações climáticas para todos os países era um grande objectivo da administração dos EUA. Justificavam «as regras, para serem inclusivas e para serem válidas para um largo espectro de países, tem que ser pouco rígidas». Não quiseram dois sistemas – um para países desenvolvidos, outro para países em desenvolvimento – propostos por vários países, entre os quais Cuba e Brasil.

Os EUA quiseram assim desenvolver uma forma de condicionar os países em desenvolvimento com uma fórmula que é potenciadora de injustiças, na medida em que os países industrializados, que mais contribuem e contribuíram para a dita acumulação de carbono na atmosfera, querem agora pagar a mesma factura que os chamados países em desenvolvimento. Tanto mais que não basta comparar uma produção instantânea ou anual de GEE, visto que a poluição é um fenómeno cumulativo. Ou seja, quiseram começar a apagar a responsabilidade histórica dos países industrializados nas emissões de GEE.

Os instrumentos de mercado conjugados com o conceito de neutralidade de emissões contêm riscos graves. Neste quadro, a aposta nos ditos sumidouros de CO2 (florestas e outros métodos) tem tudo para se tornar um grande mecanismo de não resolver o problema e até de o aprofundar. Um exemplo que até já acontece hoje em dia e que pode vir a ser mais generalizado é o de uma grande empresa emissora de CO2 que, para ganhar créditos de emissão, investe na criação de uma monoprodução florestal num país em desenvolvimento. Continua a emitir gases e destrói a floresta autóctone, afectando a biodiversidade. Com o efeito perverso de reservar grandes áreas naturais de países em desenvolvimento para as grandes multinacionais, que ficam com capacidade de aprofundar a ingerência.

Neste quadro, o reforço do Fundo Verde para os 100 mil milhões de dólares anuais pode ser o instrumento para favorecer o financiamento de projectos dos grupos económicos e processos de ingerência em países em desenvolvimento, potenciando a dominação imperialista dos recursos destes países. Fazendo crer que os mecanismos de mercado são aqueles que dão resposta a estes problemas ambientais. A Alemanha, país defensor do reforço do Fundo Verde, quer instituir seguros (com fundos privados e públicos) supostamente para os países mais frágeis responderem a catástrofes, mas que tem tudo para ser mais uma forma de financiamento indirecto das seguradoras e de grupos financeiros e económicos, a pretexto de ajudar os países em desenvolvimento.

3. Transferência de custos e responsabilidades
para as populações e povos do mundo

A campanha montada a partir do tema alterações climáticas tem muito de «greenwashing» (lavagem verde) de grandes grupos económicos e de líderes mundiais. Christine Lagarde, no artigo já citado, dava a táctica: «Aumentos graduais e previsíveis nos preços de energia fornecerão um forte incentivo para os consumidores reduzirem a sua factura da energia. (...) É por isso que o FMI tem vindo a recomendar uma estratégia em três-vertentes: atribui-lhe o preço certo, taxa-o com esperteza e fá-lo agora», acrescentando que «cada vertente é essencial».

Assim fica claro outro objectivo, o de passar o ónus dos problemas ambientais para os cidadãos individuais, de modo a descupabilizar os verdadeiros responsáveis e a criar condições para vir a legitimar o aparecimento de novos impostos sobre os trabalhadores e os povos, acentuando injustiças, ilibando dos problemas ambientais o sistema capitalista, os grupos monopolistas e a estratégia de dominação imperialista que os promovem, acentuando desigualdades e não resolvendo os principais problemas com que se confronta a humanidade.

A utilização de argumentos ditos ecologistas para aumentar a carga fiscal sobre as camadas mais empobrecidas teve como exemplo recente e paradigmático a Reforma da Fiscalidade Verde, do governo PSD/CDS, que o PCP caracterizou como uma reafectação da tributação, com base no argumento falso de que a taxação dos seus hábitos e actividades têm efeitos ambientais sensíveis. Tal como o PCP tem vindo a dizer, só com uma profunda ruptura política que assente numa perspectiva patriótica e de esquerda se constrói um Estado capaz de gerir e proteger a natureza e de colocar a riqueza natural do País ao serviço do povo e do desenvolvimento nacional e não ao serviço do desenvolvimento dos interesses privados que vêem nos recursos naturais apenas o substrato para actividades lucrativas, independentemente da sua real utilidade ou racionalidade ou mesmo do seu impacto negativo junto da conservação dos recursos.

Os combustíveis fósseis satisfazem actualmente mais de 80 por cento das necessidades energéticas a nível mundial. É necessário diminuir esta dependência, aumentando a eficiência energética, desenvolvendo alternativas energéticas de domínio público, que não ponham em causa a segurança alimentar das populações – como é o caso dos agro-combustíveis – e é fundamental investir em investigação e desenvolvimento (I&D).

Esta dependência não se combate destruindo o transporte público, como têm feito os sucessivos governos.

As emissões que contribuem para o efeito estufa são um problema grave. Por isso é que temos que defender a produção local, reduzindo a amplitude dos ciclos de produção e consumo, travar a liberalização do comércio mundial, factor de incentivo no aumento do consumo energético e de emissão de gases com efeito de estufa, para além do mais com graves consequências no plano económico e social.

A limitação da produção de gases que contribuem para o efeito de estufa tem que ter em conta uma justa distribuição dos esforços por sectores e países. Deve ser feita através de normativo específico sem a atribuição de licenças transaccionáveis, que já provou a sua ineficácia na redução da produção destas emissões e que tem o efeito perverso de condicionar os países menos desenvolvidos.

Temos que proteger os ecossistemas naturais, terrestres e marinhos, e recuperar os ecossistemas degradados, dado o importante papel que desempenham no ciclo do carbono e nos equilíbrios naturais. Para tal é preciso romper com a lógica de destruição ao sabor dos grandes interesses privados.

A luta por um mundo mais respeitador do ambiente está inseparavelmente ligada à luta para reduzir as injustiças sociais e à luta por uma sociedade que se eleve acima das leis da economia de mercado. Os problemas da natureza não se resolvem enganando-a para fazer lucro.

1 http://monthlyreview.org/2015/11/01/the-great-capitalist-climacteric/.

 

Vladimiro Vale